"AS MINHAS ORIGENS ESTÃO NO SOUTO E UM DIA VOLTAREI"

Orlando Cardoso nasceu no Souto da Carpalhosa há 60 anos. Filho de Joaquim dos Santos Cardoso e de Maria da Cruz, frequentou a escola primária da sede da freguesia e o Liceu de Leiria. Licenciou-se em História pela Universidade de Coimbra e, hoje, é professor no Colégio João de Barros, em Meirinhas.
Dirigiu o semanário “Correio de Pombal” durante três anos e o “Jornal de Leiria” (oito anos), sendo actualmente Director Editorial deste último. Integra o Conselho Editorial da revista “Desafios”, da NERLEI (Associação Empresarial da Região de Leiria).
Tem mantido ao longo dos anos uma actividade regular como escritor, publicou “Trinta dias em Maio” (Prémio de Poesia Ary dos Santos - 1991), “Xeque-Mate” (Prémio de Conto Comemorativo dos 600 Anos dos Bombeiros Portugueses - 1996), e os livros de contos “Espanto da Lua” e “Fora das Margens”. Publicou, ainda, os ensaios “João de Barros – Um Cortesão em Terras de Litém” e “Macau e o Oriente na Vida de Lara Reis”. É co-autor do roteiro “Leiria – Uma Viagem na Cidade” e dos álbuns ilustrados “Zarah, A Moura Encantada de Leiria” e “Joanão e Joaninha”.
Já em 2008 ganhou o Prémio de Literatura do IPL (Poesia) com “As Uvas de Laberia Galla”, livro que deverá ser publicado brevemente.

Durante quanto tempo viveu no Souto da Carpalhosa?
O meu pai era natural do concelho da Figueira da Foz. Como ferroviário, andava de casa às costas um pouco por todo o país. Veio parar, nos anos 40, à estação de Monte Real. Num dia de Janeiro, em que estava de folga, foi à festa do Santo Amaro, na Ortigosa, onde conheceu a minha mãe, que era do Souto. Depois aconteceu o que tinha de acontecer. Começaram a namorar e casaram três anos mais tarde. Tiveram três filhos, o Vítor, que era o mais velho, eu e a minha irmã Odilia, que é a mais nova. Vivi no Souto, a tempo inteiro, até aos 17 anos. Por essa altura o meu pai, que foi presidente da Junta de Freguesia durante 17 anos, foi trabalhar para uma estação em Lisboa e fomos viver para uma casa da CP em Alcântara.

Que recordações, memórias, guarda consigo dessa altura?
Tive dois excelentes pais que procuraram sempre que nós tivéssemos uma vida melhor que a que eles tiveram. Numa altura em que era muito difícil estudar depois de completar a Primária, eles passaram muitos sacrifícios para nós continuarmos e irmos para o Liceu de Leiria. Quando fomos para Lisboa, já o meu irmão frequentava o Instituto Superior Técnico, onde fez engenharia electrotécnica.
Guardo as melhores recordações e memórias do Souto da minha infância. Desde a escola à “doutrina” tudo me despertava uma curiosidade que, muitos anos passados, ainda hoje se mantém pelo que me cerca. Fiz bons amigos que ficaram para toda a vida, como o José Esperança, o Carlos Caetano, que só vinha nas férias e, naturalmente o meu irmão. Outro bom companheiro, felizmente ainda vivo, era o Lino que as voltas da vida levaram à emigração para França. Este, infelizmente não pôde continuar a estudar. De uma inteligência viva e brilhante, teria ido muito longe, como foi, em qualquer ofício que escolhesse.
A aldeia cresceu. Fazíamos grandes jogatanas de futebol com a malta da Várzeas, numa rivalidade distante de muitas raivas e ódios que marcaram a vida de algumas terras vizinhas.
Depois passei a vir ao Souto com regularidade, enquanto vivi em Lisboa. Aos 20 anos foi a grande mudança. Saí de Portugal e fui viver para a Holanda, onde estive até ao 25 de Abril. A emigração foi, sem dúvida, uma das maiores escolas da minha vida.
Quando regressei fui viver para Leiria, passando a ir ao Souto todas as semanas, o que ainda hoje faço.

Gostava de um dia voltar a viver na sua terra?
Nunca se sabe o que o dia de amanhã nos reserva. As minhas origens estão no Souto e um dia voltarei.

Tem várias obras publicadas, inclusivamente já ganhou prémios de literatura. A sua vivência e o seu passado nesta localidade tiveram algum contributo nas suas obras?
Desde muito novo que a escrita me atraiu, tornando-se uma verdadeira paixão. Publico coisas em jornais desde há 40 anos e editei o primeiro livro de poemas em 1973. Os prémios, dois de poesia e um de ficção, vieram por acréscimo e funcionam como revitalizador quando apetece desistir.
Quanto à questão que coloca, essas referências existem, nomeadamente nos três livros de contos que publiquei. Mas não sou o que se chama um escritor regional. Penso que este tem de vencer os limites locais, embora nunca perdendo a sua identidade.

Jornalista, contista, poeta, professor... é o homem dos sete ofícios?
Sempre desenvolvi várias actividades em simultâneo e disso não me arrependo. Devemos desenvolver as capacidades que a mãe-natureza nos deu para nosso usufruto. Só assim podemos desejar ser felizes. Tenho a profissão que escolhi, faço as coisas de que gosto, tenho dois bons filhos, que mais posso desejar?

O que ainda gostava de vir a fazer?
Gostava de completar alguns trabalhos que andam na minha cabeça, nomeadamente na investigação em História e na ficção, em que tenho um romance em fase de acabamento. Mas, há muito tempo que deixei de fazer planos a longo prazo. Saem, de um modo geral, todos furados… Gostaria, contudo, de me sentir activo durante muitos anos.

Enquanto professor, como vê o ensino nos dias de hoje? Considera que há facilitismo?
Gosto muito da minha profissão. Continuo a ter um grande prazer ao entrar na sala para ensinar o que aprendi e aquilo que fui descobrindo ao longo da vida. Se fosse possível voltar atrás seria, de novo, professor. Frustrações também as há. Além de ensinar, o professor hoje é tudo: substitui os pais ausentes, o irmão mais velho, é assistente social e tudo o mais de que o Estado e a sociedade se lembram. Quanto ao facilitismo, como se sabe, o maior cego é o que não quer ver. E há muitos.

Quais as principais diferenças que nota, nos dias de hoje, comparativamente ao seu tempo de aluno?
Muitas são as diferenças em relação aos meus tempos de aluno. A primeira é esse bem inestimável, a liberdade, que permitiu o acesso de todos à educação. Os alunos, hoje, não estão sujeitos a aspectos, muitas vezes absurdos, que caracterizavam o ensino antes do 25 de Abril. As grandes diferenças, para pior, estão no nível de exigência das escolas, num nivelamento por baixo verdadeiramente assustador e que se vem agravando à medida que se sucedem os governos e os ministros. Não podemos, neste caso, esquecer que os partidos do poder, o PS e o PSD, são os principais responsáveis do estado a que a educação chegou.

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