UMA QUESTÃO DE LEALDADE PESSOAL

Há dois mil anos, Cristo comparava as gentes do seu tempo a dois grupos de crianças que discutem na praça porque ninguém se conseguia entender. Uns diziam para os outros: “tocámos flauta e vocês não dançaram, entoámos lamentações e vocês não choraram”, como quem diz: afinal o que é que querem? A perspectiva não mudou: somos eternos descontentes e insatisfeitos; tudo está mal e normalmente a culpa não é nossa. A perfeição com que a vida nos presenteou, perfeição que só nós conseguimos ver, chega ao ponto de as questões respeitantes ao “mundo melhor” serem obrigação apenas dos outros.
Para não trazer à baila outras questões partilho um pensamento e preocupação com que, há dias, ocupei parte do tempo enquanto vinha de Leiria para o Souto. Junto ao corte do IC2 para Leiria Norte, ali na zona da Cova das Faias, três brigadas de trânsito preparavam-se, pelo aparato, para fazer uma “operação stop”, certamente na busca de irregularidades por parte dos condutores. Algumas centenas de metros depois… um carro parado. Passei. Ele arrancou numa velocidade ainda mais lenta que a que eu trazia e até que cortasse no sentido da Figueira da Foz, pela N109, pude observar que veio todo aquele espaço a acender faróis, para quem viajava na outra faixa, avisando da presença da autoridade cerca de um quilómetro mais adiante. Parecia contratado.
Pus-me a pensar se em algum daqueles carros não estaria a ser transportada uma grande quantidade de droga para ser consumida pelos filhos de quem lhes passava sinais. E quem me garante que aquela operação não era para encontrar um traficante de armas para vender a gente sem escrúpulos e que matam que pode matar qualquer um de nós por “dá cá aquela palha”?? E se uma criança tivesse desaparecido de junto da sua mãe, levada não se sabe por quem ou para onde, e as autoridades estivessem à espera que passassem os raptores para serem capturados? E se do outro lado da estrada estivesse a fugir o assaltante de um banco na cidade? E se alguém alcoolizado, numa tentativa de fuga, não tivesse tempo de parar na passadeira onde a esposa e a filha pequenina, daquele senhor que tinha passado sinais de aviso, estavam a atravessar a rua depois de um dia de escola? E se…
E quem avisa criminosos, ainda que sem o saber, não é criminoso também? E se há uma lei que é justa, ainda que nos custe a cumprir, porque é que não havemos de a cumprir? Não é uma questão de muito ou pouco, mas de uma certa dignidade interior. Parece que continuamos a ver as autoridades como inimigos a abater, mas não deixamos de protestar contra a falta de segurança em todas as situações do nosso dia ou se, quando precisamos delas, não aparecem senão depois de algum tempo passado. Tudo exigimos e pouco fazemos, como crianças pequeninas, talvez muitas vezes não saibamos o que queremos.

Pe. José Baptista

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