COMO BRINCAVAM AS CRIANÇAS (PARTE I)

Não tenho a faculdade dos talentosos contadores, nem disponho das qualidades necessárias a essa prática, mas como gosto de escrever, quis, modestamente, historiar mais um facto do meu conhecimento, que parece ficção mas não é, nem crónica extraída de revista, não faria sentido, nem teria o mesmo valor!
Não deixo de sublinhar que as histórias, sendo bem contadas, sensibilizam vantajosamente quem as lê, despertam mais curiosidade mesmo sendo simples. Não importa o conteúdo, o que interessa é a maneira como se apresenta.
Dom que me desfalca quando escrevo. Por mais verdades que atire ao papel, não conseguem persuadir, não possuem a força necessária para o intercurso pretendido, sobretudo junto dos monstros contemporâneos!
Assim, e refugiando-me do frio que lá fora se faz sentir, passo o meu tempo sentado face ao meu bloco de manuscritos e, à minha maneira, conto uma história verdadeira daquelas que vivem as crianças na idade primo-escolar, sem emoções fortes, antes pelo contrário, exprimem simplicidade e ao alcance de qualquer leitor, mesmo os mais novos, à condição de não imitarem nunca o desfecho das narrativas que vou contar…
Nos meados do século XX, vivia no Souto da Carpalhosa um garoto que sonhava maravilhas durante as noites escuras dos longos e aborrecidos Invernos quando dormia embrulhado num velho e espesso cobertor e ainda uma manta de retalhos por cima, deitado sobre uma esteira de palha a servir de colchão. O quarto onde “chonava” nos primeiros anos da sua infância era escuro, com uma minúscula janela sem vidros. Fechava-a ou abria uma portinhola de madeira, mal passava a claridade que lhe permitisse ver para se vestir desde que ganhou essa autonomia, calçar-se não era hábito, não tinha com que, por conseguinte, andava sempre descalço!
Quando chegou à idade de frequentar a escola, sua mãe ordenou que mudasse para um quarto com mais luz onde podia fazer os deveres escolares. Dois anos passaram, e, como qualquer garoto na sua idade gostava de brincadeira, mas não era fácil encontrar um consórcio fora dos recreios na escola! Em casa, depois dos deveres escolares devidamente cuidados, surgiram as tarefas de obrigação familiar: enquanto diz fizesse, deveria ir à fonte buscar uma bilha de água para o consumo habitual e depois juntar umas ervas para dar aos coelhos, brincaria, então, se o tempo sobejasse.
A tentação era grande quando ouvia os catraios da sua idade nas proximidades, mas lhe era permitido sair das imediações, limitava-se a brincar só!
No pátio da casa onde vivia com os pais e os irmãos, que eram já adultos, havia uma velha oliveira, já poucas azeitonas dava, mas as que produzia eram grossas e de excelente qualidade para comer, razão porque a mantinham bem estimada apesar dos anos que tinha.
Atraído pela forma que suas braças ostentavam, o nosso miúdo lembrou-se de arranjar sobre elas um disparatado divertimento: com o auxílio de algumas tábuas velhas que encontrara no palheiro existente por detrás da eira, onde habitualmente secavam os cereais, também guardavam aí as batatas e as maçãs estendidas pelo chão, bem entendido não era um local de movimentos constantes, mas quis o atrevimento infantil do pequeno encontrar aí o que imaginou para a construção de um campanário, a realizar sobre o tronco e braças da velha oliveira.
A imaginação era forte, deveria ser concluída o quanto antes. Não impedia os deveres relacionados à escolaridade, mas reconhecendo as reacções dos familiares, o puto anteparava-se de precauções. Calculou todas as peças necessárias à construção da presumível plataforma, a qual instalou servindo-se, igualmente, de alguns pregos encontrados nas reservas utensiliares de seu pai! Seguidamente, imaginou um sino e como deveria instalá-lo. Como não encontrava objecto similar, inventou. Uma roda de madeira colocada horizontalmente na ponta de um pedaço de cana e uma travessa em forma de cruz, duas pequenas diagonais que sustinham verticalmente o mesmo engenho, colocou-o entre duas braças de oliveira em forma de “V” de modo a poder balançar como balançava o sino da igreja que da sua casa podia ver, ouvir e admirar. Concluídas as instalações, faltava agora movimentá-las. Como? Aí vai disto!

(Continua na próxima edição).

Albino de Jesus Silva

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