LONGE DOS OLHOS, LONGE DO CORAÇÃO

Depois de quinze dias passados na cidade da Praia, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, num contacto muito directo com algumas das pessoas daquela capital de país e sua periferia, em saudosas actividades de escuteiros, vim com uma vontade enorme de fazer uma coisa muito simples como é o poupar água. É evidente que, uma vez regressado ao “nosso mundo”, essa vontade num instante se esfumou porque tudo ficou lá longe dos olhos e, por isso mesmo, também longe do coração. Meninas dos seus tenros oito ou nove anitos com velhos baldes de 20 litros, como esses da tinta, durante duas horas numa fila à espera da sua vez para chegar à fonte. Do seu lado esquerdo uma lixeira onde conviviam galinhas, cães, crianças…
Celebrar um dia mundial da alimentação é, para nós, ouvir dizer que é preciso alimentarmo-nos equilibradamente, sem excessos. O grande problema do “nosso mundo” passa pela obesidade. Para muitos milhões de pessoas um dia desses, se soubessem que existe, seria óptimo que ouvissem dizer que haveria um pratinho de sopa todos os dias para cada um. Diariamente, segundo os “entendidos”, 25 mil pessoas continuam a morrer por questões alimentares e cerca de 900 milhões vivem com menos de 1 euro por dia, muitas delas com nada, por isso se morre de fome.
Poupar água, gasolina, bolos, arroz, energia, lápis, tempo… pode não representar muito na solução dos problemas, mas leva-nos a tomar consciência deles e a pensar que milhões dariam tudo para terem um pouco mais que nada. Lá, em Cabo Verde, a “Ni” aproximou-se de mim e pediu-me uma a T-shirt que eu trazia vestida porque nela estava estampada o seu “nominho” (alcunha) “NY”. Quando lhe disse que estava sebenta, o que era verdade, ela sorriu e respondeu “não faz mal, eu lavo-a”. Não sei imaginar a alegria que manifestou quando lha entreguei. Sei apenas que, vivendo com “uma refeição diária, pelo menos”, como me foi dito, aqueles adolescentes e jovens desfaziam-se de tudo para terem uma recordação nossa ou darem-nos uma sua.
A recordação e comparação destes factos não é, de modo algum, a defesa da ideia de que devemos começar a passar mal para os outros passarem bem, ou a deixar de viver com a dignidade possível só porque os outros não têm essa possibilidade. É apenas a minha lembrança e uma tentativa de tomada de consciência de que tudo, o bem e o mal, faz parte da nossa vida e de que nada é eterno, além de Deus e da vida que nos oferece. Olhemos a Islândia, o melhor país para se viver, até há uns tempinhos atrás, e, agora, na banca rota.
Defendo a ideia de que viver com dignidade passa por viver o melhor possível, mas com a consciência de tudo se ter feito para que os outros assim possam viver também.

Pe. José Baptista

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