O PRESÉPIO

Olhando para trás no tempo, posso dizer que os dias da minha infância foram felizes. Havia na nossa aldeia coisas fascinantes que me encantavam, e aos meus amigos, de tal modo que ainda hoje a lembrança se mantém bem viva na memória.
Com o começo das férias de Natal parecia que o frio apertava ainda mais que no resto do Inverno, quando os ventos do lado do mar subiam pela ribeira acima. Havia um aconchego bem quente na cama quando a manhã rompia e o corpo pedia descanso. Os dias de pausa nas actividades escolares eram, como sempre, bem-vindos.
As supremas atracções desses dias gelados estavam, todavia, na Igreja. O beijo nos pés do menino Jesus, tão doce e sereno na frieza do seu corpo de barro, era um desses motivos de encanto. O ósculo, como dizia o cónego Geraldo, era um momento alto nas cerimónias religiosas que aqueciam e animavam as nossas almas. O povo vinha de todas as aldeias da paróquia que se estendia da Ortigosa ao Vale da Pedra, passando pela Carrreira, as Várzeas e o Souto, entre tantos outros lugares. A comunidade ficava, então, em paz e, pacificada, caminhava para o almoço do dia de Natal.
Mas o supremo encanto do nosso Natal era o magnífico e encantador presépio, organizado por padres e seminaristas da paróquia, iluminado por numerosas lâmpadas que davam um encanto muito especial à cena representada. Mas o encanto do presépio da Igreja do Souto não se esgotava nas figuras que representavam a sagrada família: os pastores, os reis magos, as ovelhas, o burro e a vaca. Nele participavam inúmeras personagens que nada tinham a ver com o episódio bíblico, mas com a imaginação dos responsáveis pela montagem, dispersas sobre o musgo fofo apanhado nos pinhais.
Hoje, todo este encanto desapareceu na voragem dos anos e só resta a memória daquela construção ingénua onde se destacavam as figuras animadas por escondido motor quando se acendia a luz.
Eu gostava deste presépio da minha infância. Com ele foi um pouco de nós que se perdeu e morreu.

Orlando Cardoso

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